sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Girassóis no escuro

Amanha é 12 de outubro, dia das crianças.
 Mas o que realmente isso quer dizer? No começo de setembro começam as propagandas na televisão. De um lado, brinquedos, roupas, presentes caros, sonhados com ardor pelas crianças. Do outro, a realidade: a maioria das crianças do país não terão acesso a nada disso nesse dia. Chocante?
 Também nessa época começam as mobilizações pelo país: doações de brinquedos para as crianças menos favorecidas, criança esperança e afins. Não que não haja boas intenções por trás disso, mas mesmo assim, como a sociedade é hipócrita! A maioria passa o ano inteiro sem se dar conta da vida a sua volta. A pessoa que comprou um brinquedo qualquer para a doação, muitas vezes foi a mesma que fechou o vidro do carro ao ver uma criança pedindo esmolas no transito, ou que passou reto por uma na mesma situação nas ruas. O ano inteiro são vistos como marginais, mas hoje não. Doa-se um brinquedo (quando doa-se), sem sentimento, sem esforço, sentem-se como se estivesse curando o câncer a quantidade. Como são filantropos!...
 Essas crianças vagam por ai sem nenhuma pretensão de futuro, o corpo e a alma desnutridas, e as pessoas simplesmente ignoram, pra lembrar uma vez por ano, de que elas ainda estão lá! São como girassóis que vem o sol uma vez ao ano, para no resto do tempo, permanecerem no escuro, se perguntando pra onde foi aquele feixe de luz.
 O dia a dia de uma criança na periferia não é fácil. A maioria começa a trabalhar cedo pra ajudar em casa, deixam de frequentar a escola, não possuem uma estrutura real. O lazer é caro, de difícil acesso, e os poucos lugares que elas poderiam frequentar, praças por exemplo, são longe do lugar onde moram. Brinquedos? A vida é muito difícil e isso não é prioridade. Além disso, 85% das crianças que sofrem maus tratos no país, são as crianças que vivem nessas áreas, os dados não mentem. Passam o ano inteiro sem ter a menor ideia do real significado da palavra infância e, em um único dia, vêem supervalorizadas coisas que elas apenas sonham em ter. E assim, essas crianças aos poucos se revoltam, se rebelam.
 O mais repugnante é vermos as elites, que nada sabem sobre os motivos pelos quais essas crianças crescem e se tornam malfeitores (já que ninguém é o que é por acaso), realizarem campanhas nos seus meios de comunicação pela redução da maioridade penal como forma de resolver o problema da violência em nosso país. Dissimulam, assim, a verdadeira causa de todo o problema: termos uma reduzida minoria dona de tudo e a grande maioria que não é dona de nada a não ser sua força de trabalho, que vendem (quando conseguem) em troca de um salário miserável e dignidade nenhuma. Procuram tratar o efeito e não a causa dos problemas sociais no pais, porque é muito mais fácil jogar a sujeira debaixo do tapete e fingir que a situação está resolvida. No fundo, eles não se importam. Estão apenas tampando buracos na sociedade. Ao invés de investir e reivindicar leis que mudem a situação, pressionar o governo a investir na urbanização dessas áreas e incluir socialmente essas pessoas, é mais fácil colocá-las onde elas não vão incomodar, as vezes, este lugar é na cadeia. É notável como, apenas em são paulo, o numero de presidios construidos foir exorbitantemente maior que o numero de novas escolas e a coorelação das coisas me parece muito simples.  Como já diria Seu Jorge na música Brasis: "Tem um Brasil que é próspero, outro não muda. Um Brasil que investe, outro que suga...".
 O Brasil é um pais desigual, isso não é novidade pra ninguém. O que parece não ter ficado claro é que a  obrigação com as crianças do país, enquanto cidadãs, é do governo. Por mais que pessoas realmente bem intencionadas ajudem, ainda não é o suficiente. Mas, por aqui não faz política, se faz politicagem. Contorna-se os problemas, aliena-se as massas, é dado o ópio do esporte, da sensualidade, mas investir em educação, cuidar dessas crianças diariamente, como elas precisam, isso não é feito....
 É extremamente contrastante essa realidade com o significado da data - que a maioria nem ao menos sabe: o dia das crianças foi estabelecido em 1959, quando o UNICEF oficializou a Declaração dos Direitos da Criança. Nesse documento, se estabeleceu uma série de direitos aos quais todas as crianças do mundo deveriam ter acesso como alimentação, moradia, saúde e educação. Será que sabendo disso, é possível ver  esse dia com os mesmos olhos? Uma vez que os objetivos e ideais da data não são cumpridos, sendo, pelo contrário, ignorados pelo governo, qual o significado, que conotação ela adquire? Feriado midiático/capitalista pra vender brinquedos. E é só. Tira-se novamente o foco do que realmente interessa. É ótimo ganhar presentes, mas de que vale um presente quando não se tem o básico? Até o próprio ideal parece ridículo.
Enquanto tudo isso acontece, você vai pegar seus filhos, sobrinhos, irmãos... levá-los ao shopping pra escolher o presente deles e não vai ao menos fazer questão de dizer o quanto eles tem sorte por você ter condições de dar isso a ele. Aqueles que não poderão dar exatamente o que a criança quer, vão optar por algo mais acessível, e se sentirão culpados por isso, se desculparão ao invés de dizerem: "você tem muita sorte, muitos não vão ganhar nada, a maioria, nem se lembrará que dia é  hoje."  É dever moral de um educador mostrar a realidade do mundo aos filhos. É erro nosso dizer que eles não entendem. Eles precisam saber o quanto são privilegiados. Do contrário, irão  crescer, vendo tv e acreditando piamente que tudo é daquele jeito que você pintou: perfeito e irreal. Se não fizermos nossa parte, ai sim, eles irão crescer e se tornar adultos que não entendem nada.